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20 de Abril de 2024

Em dia de terror, STF rasga a CRFB/88 no julgamento do HC 126.292

Oportunas e pertinentes considerações do professor Cezar Bittencourt e Vânia Bittencourt

Publicado por Fátima Burégio
há 8 anos

O Supremo Tribunal Federal orgulha-se de ser o guardião da Constituição Federal, e tem sido prestigiado pelo ordenamento jurídico brasileiro que lhe atribui essa missão. Mas o fato de ser o guardião de nossa Carta Magna não lhe atribui a sua titularidade. Isto é, o STF não é o dono da Constituição e tampouco tem o direito de reescrevê-la a seu bel prazer como vem fazendo nos últimos anos, com suas interpretações contraditórias, equivocadas e, especialmente, contraria o que vinha afirmando nos últimos 25 anos. Escreve a página mais negra de sua história.

Essa postura autoritária que vem assumindo ultimamente, como órgão plenipotenciário, não o transforma em uma Instituição mais identificada com a sociedade. Pelo contrário, cria enorme insegurança jurídica, agride o bom senso, fere os bons sentimentos democráticos e republicanos e gera insustentável insegurança jurídica na sociedade brasileira; as garantias constitucionais são flagrantemente desrespeitadas, vilipendiadas, reinterpretadas e até negadas, como ocorreu no julgamento do HC 126292.

Ontem o STF rasgou a Constituição Federal e jogou no lixo os direitos assegurados de todo cidadão brasileiro que responde a um processo criminal, determinando que aproximadamente um terço dos condenados, provavelmente inocentes, cumpram pena indevidamente, segundo as estatísticas relativas a reformas pelos Tribunais Superiores.

Com efeito, ignorando os Tratados Internacionais recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro, e a previsão expressa em nossa Constituição (art. , LVII, CF), que garantem o princípio da presunção de inocência (ou de não culpabilidade), o STF passou a negar sua vigência, a partir dessa fatídica decisão, autorizando a execução antecipada de decisões condenatórias, mesmo pendentes recursos aos Tribunais Superiores. Trata-se de um dia em que o Supremo Tribunal Federal escreveu a página mais negra de sua história ao negar vigência de texto constitucional expresso que estabelece como marco da presunção de inocência o trânsito em julgado de decisão condenatória.

Trânsito em julgado é um instituto processual com conteúdo específico, significado próprio e conceito inquestionável, não admitindo alteração ou relativização de nenhuma natureza.

Nessa linha de pensamento, destacamos a sempre lúcida manifestação do ministro Marco Aurélio acompanhando a ministra Rosa Weber, e questionando os efeitos da decisão, que repercutiria diretamente nas garantias constitucionais, pontificou: "Reconheço que a época é de crise maior, mas justamente nessa quadra de crise maior é que devem ser guardados parâmetros, princípios, devem ser guardados valores, não se gerando instabilidade porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida. Ontem, o Supremo disse que não poderia haver execução provisória, em jogo, a liberdade de ir e vir. Considerado o mesmo texto constitucional, hoje ele conclui de forma diametralmente oposta”."

O decano, ministro Celso de Mello, na mesma linha do ministro Marco Aurélio, também manteve seu entendimento anterior, qual seja, contrário à execução antecipada da pena antes do trânsito em julgado de decisão condenatória, afirmando que a reversão do entendimento leva à “esterilização de uma das principais conquistas do cidadão: de jamais ser tratado pelo poder público como se culpado fosse”. E completou seu voto afirmando que a presunção de inocência não se “esvazia progressivamente” conforme o julgamento dos processos pelas diferentes instâncias. O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, também votou contra a possibilidade da execução provisória da pena e destacou que lhe causava “estranheza” a decisão da Corte. Lewandowski lembrou que a decisão do tribunal agora agravará a crise no sistema carcerário brasileiro, aliás, crise para a qual a Corte Suprema nunca olhou, e também nunca se preocupou com a inconstitucional violação da dignidade humana.

Mas a essas alturas os novos ministros do STF, que não o integravam nos idos de 2009, já haviam mudado a orientação da Corte Suprema, numa espécie de insurreição dos novos contra os antigos!

Veja-se a nefasta contradição de nossa Excelsa Corte: no dia cinco de fevereiro de 2009, por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal decidiu que um acusado só pode ser preso depois de sentença condenatória transitada em julgado. Essa decisão reafirmou o conteúdo expresso da Constituição Federal, qual seja, a consagração do princípio da presunção de Inocência (art. 5º, LVII). Ou seja, ao determinar que enquanto houver recurso pendente não poderá ocorrer execução de sentença condenatória, atribuindo, por consequência, efeito suspensivo aos recursos especiais e extraordinários. Trata-se, por conseguinte, de decisão coerente com o Estado Democrático de Direito, comprometido com respeito às garantias constitucionais, com a segurança jurídica e com a concepção de que somente a sentença judicial definitiva, isto é, transitada em julgado poder-se-á iniciar o cumprimento de pena imposta.

Ontem, lamentavelmente, em retrocesso histórico, o STF volta atrás, e ignora o texto expresso da Constituição Federal, bem como os Tratados Internacionais que subscreveu. Com a Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, em 1971, o Princípio da Presunção de Inocência ganhou repercussão e importância universal. A partir da Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948, para a qual “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa” (art. 11).

O Brasil votou na Assembleia Geral da ONU de 1948, e aprovou a Declaração dos Direitos Humanos, na qual estava insculpido o principio da presunção de inocência, embora somente com a Constituição Federal de 1988 o Brasil incorporou expressamente a presunção de inocência como principio basilar do seu ordenamento jurídico. Contudo, com a aprovação pelo Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº 27 de 1992, e com a Carta de Adesão do Governo Brasileiro, anuiu-se à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, que estabeleceu em seu art. 8º, I, o Principio da Presunção de Inocência, ao afirmar que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

Na verdade, o Brasil tem dois textos legais, no plano constitucional, que asseguram o princípio da presunção de inocência, na medida em que o art. , § 2º da CF/88 atribui essa condição/natureza de constitucional ao Tratado Internacional devidamente aprovado no país. E, não se pode negar, tanto o Pacto de São José da Costa Rica, como o art. , LVII, da CF/88, reconhecem, expressamente, a vigência desse princípio.

A presunção de Inocência é no Brasil um dos princípios basilares do Direito, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, sendo previsto pelo art. , LVII, da Constituição de 1988, que destaca: “Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Tendo em vista que a Constituição Federal é nossa lei suprema, toda a legislação infraconstitucional, portanto, deverá absorver e obedecer tal princípio. Ou seja, o texto constitucional brasileiro foi eloquentemente incisivo: exige como marco da presunção de inocência o “trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Não se ignora, diga-se de passagem, que o Estado brasileiro tem direito e interesse em punir indivíduos que tenham condutas que contrariam a ordem jurídica, podendo aplicar sanção àqueles que cometem ilícitos. No entanto, esse direito-dever de punir do Estado deve conviver e respeitar a liberdade pessoal, um bem jurídico do qual o cidadão não pode ser privado, senão dentro dos limites legais.

Veja-se a nefasta contradição de nossa Excelsa Corte: no dia cinco de fevereiro de 2009, por sete votos a quatro o Supremo decidiu que um acusado só pode ser preso depois de sentença condenatória transitada em julgado. Essa decisão reafirmou o conteúdo expresso da Constituição Federal, qual seja, a consagração do princípio da presunção de Inocência (art. 5º, LVII). Em outros termos, determinar que enquanto houver recurso pendente não poderá ocorrer execução de sentença condenatória, atribuindo, por consequência, efeito suspensivo aos recursos especiais e extraordinários. Trata-se, por conseguinte, de decisão coerente com o Estado Democrático de Direito, comprometido com respeito às garantias constitucionais, com a segurança jurídica e com a concepção de que somente a sentença judicial definitiva, isto é, transitada em julgado poderá iniciar o cumprimento de pena imposta.

Ora, os princípios e garantias consagradas no texto constitucional não podem ser ignorados ou desrespeitados e a Suprema Corte está aí para reafirmá-los, defendê-los e impedir decisões que os contrariem, reformando-as ou caçando-as, exatamente o contrário do que fez neste julgamento.

Na verdade, como destaca José Roberto Machado: “As questões afetas aos direitos humanos devem ser analisadas na perspectiva do reconhecimento e consolidação de direitos, de modo que uma vez reconhecido determinado direito como fundamental na ordem interna, ou, em sua dimensão global na sociedade internacional, inicia-se a fase de consolidação. A partir daí, não há mais como o Estado regredir ou retroceder diante dos direitos fundamentais reconhecidos, o processo é de agregar novos direitos ditos fundamentais ou humanos”[1].

Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal, dos bons tempos, já se posicionou adotando o princípio da vedação ao retrocesso, destacando que, por tal princípio se impõe ao Estado o impedimento de abolir, restringir ou inviabilizar sua concretização por inércia ou omissão,

“A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. – O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v. G.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados.” (ARE-639337- Relator (a): Min. CELSO DE MELLO).

Aliás, com a decisão prolatada no HC 126292 contrariou essa sua própria decisão, ao restringir, alterar e revogar garantias sociais e humanitárias já incorporadas no Estado democrático de direito. Na convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 contém cláusula que impede, expressamente, que tratados posteriores sejam “interpretados no sentido de limitar o gozo e exercício de quaisquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de lei de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados” (art. 29, b).

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Há um artigo do professor Luiz Flávio Gomes neste portal em que ele, do alto de seus vastos conhecimentos, explica o seguinte:

"Quanto ao cumprimento imediato da pena depois de dois graus de jurisdição reconhecendo a culpabilidade do agente o entendimento do STF se alinha com o que se passa praticamente no mundo todo civilizado. Ocorre que as constituições desses países não dizem que “ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”

Parece, portanto, que a expressão" até o trânsito em julgado da sentença condenatória "foi uma opção do legislador constituinte, no mínimo, infeliz. Ela passou a se constituir em aliada da impunidade na medida em que a morosidade de justiça e o sistema de prazos prescricionais, não raro, tornam inviável a punição do malfeitor. Tanto é assim que o professor expõe haver no Congresso um projeto de lei no sentido de se suspender a prescrição da pena após a confirmação da condenação no segundo grau de jurisdição. Seria essa uma forma de se contornar o problema, evitando que a sociedade fique a depender de um pronunciamento final das Cortes Superiores para prender os criminosos.

Tenho, porém, ca com meus botões, algumas reflexões sobre esse assunto. Tomemos o exemplo do crime cometido por um meliante conhecido por" Chambinha ". Ele atacou um casal de namorados que acampava, estuprou a moça e depois matou o casal. Esse sujeito poderia ser considerado inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória? A sociedade tem de se submeter a um comando constitucional que a obriga, em certos casos, a se passar por imbecil? Não seria melhor integrá-lo à nossa triste realidade, como fez o STF? Submeto o assunto à reflexão de todos que gostam de debater nesse democrático foro. continuar lendo

Parabéns ao STF vai acabar com a fabrica de recursos que impedem que RICOS que forem condenados na segunda instância a recorrem "LIVRES" a tribunais superiores e desta forma protelem por anos o CUMPRIMENTO DAS SENTENÇAS. Certamente, a OAB vai contestar publicamente esta decisão do Supremo Tribunal Federal, alegando que haverá casos de injustiça e de difícil reparação. Vejam há 99,9999%...dos brasileiros não tem recursos financeiros para recorrerem a instância superior, portanto a medida tomada tem caráter punitivos tanto para os condenados quanto aos ADVOGADOS que recebem milhões de reais em troca da fábrica de recursos. Um exemplo claro disto é os que defendem os condenados na OPERAÇÃO LAVA JATO. continuar lendo

Digo chega, chega de falsos moralismos. Sou de pleno acordo com esta decisão do STF, a insegurança jurídica já se encontra instalada em nosso país, pessoas trabalhadoras que são furtadas, roubadas, estupradas, mortas todos os dias e a morosidade Estatal, bem como a gama de recursos possíveis no processo põe termo ao processo muitas vezes com a sua prescrição.
Não resta duvidas que a segunda instância tem que ser o marco final para a convicção da culpabilidade, em razão das provas constantes aos autos, porém devido aos recursos possíveis, o réu responderá em tese em liberdade, enseando repúdio perante a vitima e seus familiares ou até mesmo o desejo de autotutela.
Com relação ao número de presos, só tenho a dizer que cada ser humano tem seu livre arbítrio, assim sendo, foi ele que escolheu essa opção e não a população de bem, que acorda cedo para trabalhar. Ele, réu, deve ser tratado com os rigores da Lei. continuar lendo

À época da proclamação da Constituição Federal estávamos saindo duma cruel ditadura cuja principal regra era prender, torturar e matar sem quaisquer garantias ou julgamento. Óbvio, que o constituinte preocupado com essa situação tratou de prescrever na Constituição uma série excessiva de garantias que evitassem que o cidadão fosse privado da sua liberdade. Pois bem, o tempo passou, a democracia precariamente vem se consolidando, e os larápios de plantão perceberam que a Constituição lhes dava as garantias suficientes para roubarem escancaradamente o patrimônio público sem que fossem punidos, o popularmente conhecido com "não dá nada". Com poder econômico e essa infinidade de recursos, só se é honesto por princípio ou por ser pobre, pois medo de punição nem mesmo os mais ignorantes têm. Nesse passo, há que se fazer uma interpretação histórica da Constituição e adaptá-la a nossa realidade sem restringir direitos, mas simplesmente adequando-os às novas necessidades jurídicas. Dois graus de jurisdição são adotados pela grande maioria dos países e dá ampla garantia de julgamento justo e imparcial. A roubalheira escancarada e impune dos poderosos mata diariamente milhares de inocentes sem direito a recurso extraordinário, infinitamente mais do que inocentes vão para cadeia por erro judiciário, mas com direito a recurso. O erro judiciário, no Brasil, não mata inocentes; a impunidade, milhares de inocentes todo dia. continuar lendo

Desculpe-me Fátima, rasgar a constituição é deixar um bandido solto na rua por anos, tudo devido esse "princípio da inocência" que na grande maioria das pessoas o interpretam de forma a favorecer os interesse pessoais de cada indivíduo. continuar lendo

Não há porque pedir 'desculpas', uma vez que você apenas expressou sua opinião.
Eu respeito, mas penso bem diferente e comungo com o professor Cezar Roberto Bittencourt no referido artigo que publiquei.

Um abraço, querido!
Deus te abençoe! continuar lendo